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Apreciação geral do OE 2015

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Conferência de Imprensa, João Oliveira, Presidente do Grupo Parlamentar, Paulo Sá, Deputado, Lisboa


22 Outubro 2014

Apesar da propaganda do Governo, com ilusões de recuperação económica, de redução de impostos e devolução de salários, de melhoria das condições de vida, a verdade é que a proposta de Orçamento do Estado para 2015 aponta a perspectiva de continuação da mesma política que nos tem afundado e confirma os eixos essenciais da acção do Governo e dos objectivos que, com os PEC e mais acentuadamente com o Pacto de Agressão, têm vindo a ser impostos ao País.

Trata-se de uma proposta de Orçamento que procura esconder o agravamento do endividamento e da dependência do País que mantém e confirma o assalto aos salários e pensões de reforma, que promove o desemprego e a precariedade designadamente na Administração Pública, que prossegue a asfixia financeira e o desmantelamento das funções sociais do Estado (na Saúde, Educação e Segurança Social) e dos serviços públicos, pondo em causa direitos constitucionalmente consagrados, que acentua o ataque ao poder local e à sua autonomia, que prossegue uma política fiscal assente na insuportável tributação sobre os trabalhadores e outras camadas não-monopolistas a par de uma escandalosa protecção ao grande capital, a lucros e dividendos, à especulação financeira, que consagra a criminosa política de alienação de empresas e sectores estratégicos, com a intenção de novas privatizações ou concessões.

No total, o Governo soma 1.249 milhões de euros de austeridade adicional à já difícil situação em que se encontra o País e as vidas dos trabalhadores e do povo.

 

 

Na impossibilidade de cortar os salários como pretendia – depois da declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional –, o Governo mantém congelados os salários na Administração Pública até 1500 euros (o que significa uma perda de pelo menos 8,6% no poder de compra desde 2011) e aplica a partir desse valor novos cortes que variam entre 2,8% e 8%. Mantêm-se os cortes que podem ir até aos 60% para os trabalhadores da Administração Pública empurrados para a chamada requalificação, tendo no horizonte o seu despedimento. Insiste-se nos cortes nos suplementos remuneratórios, na intenção de destruição de mais 12.000 postos de trabalho na Administração Pública (atingindo os 72.000 entre 2011 e 2015 e mais de 100.000 entre 2010 e 2015), na renovação dos cortes no subsídio de refeição, das ajudas de custo, do trabalho suplementar e do trabalho nocturno, na renovação dos aumentos dos descontos para ADSE/SAD/ADM, com 46 milhões de corte nas respectivas indemnizações compensatórias.

Por outro lado, não podendo aplicar nas pensões os cortes que pretendia através da Contribuição de Sustentabilidade declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, o Governo insiste em novos cortes nas pensões de valor mais elevado, para as quais os pensionistas fizeram os seus descontos, renovando o congelamento da generalidade das pensões, com excepção das pensões mínimas que poderão ter um insuficiente aumento de 1%. Prevêem-se várias medidas que dão expressão ao aumento da idade de reforma por via do chamado factor de sustentabilidade, insiste-se no corte dos complementos de pensão dos reformados das empresas públicas, congela-se o valor das prestações sociais congelando o IAS e introduz-se um novo corte de 100 milhões de euros através da imposição de um tecto máximo para o que o Governo designa de “prestações sociais não contributivas substitutivas de rendimentos do trabalho”.

Agrava-se o endividamento líquido do País em 10.989 milhões de euros, aponta-se nova perspectiva de quebra do investimento público e impõem-se novas medidas de estrangulamento financeiro e desmantelamento dos serviços públicos e das funções sociais do Estado: serviços públicos sujeitos a encerramento, transferência para autarquias ou entrega a privados; cortes de 8,3% nos orçamentos da educação e ensino superior, de 0,1% nos serviços públicos de saúde, de 1,4% na Solidariedade, Emprego e Segurança Social, aumentando no entanto as verbas para os negócios privados feitos com dinheiros públicos do OE.

Os sacrifícios impostos novamente aos trabalhadores e ao povo em nome das imposições da União Europeia, do equilíbrio das contas públicas ou com a justificação das dificuldades económicas contrastam, no entanto, com a manutenção dos benefícios ao capital. Com esta proposta do Governo, Portugal continuará a sangrar recursos públicos para satisfação dos interesses do capital nos 8.200 milhões de euros em juros da dívida pública, nos 1.320 milhões de euros em PPP – prevendo-se o lançamento de mais duas novas PPP no sector da saúde, estimando-se que lá para 2039 o Estado possa deixar de ter encargos com PPP –, nos 3.900 milhões de euros comprometidos com o BES que irão já pesar no OE, com privatizações ou concessões de todas as empresas públicas que possam interessar ao capital, limpando-as das dívidas que ficam para todos pagarmos através do OE, acrescentando-se agora a TAP ao já extenso rol que incluía STCP, Metro do Porto, Carris (privatização da Carristur), Metro de Lisboa, CTT, REN, Caixa Seguros, EMEF, CP-Carga e até das zonas portuárias que serão entregues aos interesses económicos da náutica de recreio e cruzeiros.

Exemplo flagrante da natureza de classe da política do Governo resulta do confronto entre o corte nas prestações sociais (com a imposição de um tecto máximo) e a contribuição sobre a banca. Aos portugueses que recebem prestações sociais por estarem desempregados, em situação de pobreza ou de exclusão social, o Governo vai cortar 100 milhões; à banca o Governo pede 30 milhões adicionais de contribuição extraordinária que nem sequer vai para os cofres do Estado, ficando à disposição da banca no Fundo de Resolução.

Em matéria de política fiscal, está montada pelo Governo uma gigantesca operação de propaganda para procurar iludir a decisão de levar ainda mais longe a utilização da política fiscal como instrumento de agravamento das desigualdades e empobrecimento dos trabalhadores, concedendo, em sentido contrário, ainda mais benefícios ao capital.

O aumento global de 5,5% da carga fiscal em 2015 não pode iludir o elemento mais grave que se esconde por detrás das opções do Governo em matéria de política fiscal: é cada vez mais desigual a distribuição da carga fiscal entre trabalho e capital.

Com esta proposta de Orçamento do Estado, o Governo propõe no IRS um novo aumento dos impostos sobre o trabalho ao mesmo tempo que, pela segunda vez consecutiva, em sede de IRC pretende reduzir a taxa de imposto sobre os lucros das grandes empresas.

Apesar de não se conhecer ainda a versão definitiva das chamadas reformas do IRS e da fiscalidade verde, é possível identificar já hoje os seguintes elementos que contrariam a propaganda do Governo.

Diz o Governo que “não há aumento da carga fiscal”: há um aumento global de impostos de 5,5%, de 4,7% na carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho e do consumo e que contrasta com a redução da taxa do IRC de 23% para 21%. Depois de ter aprovado com o PS para 2014 a redução da taxa do IRC de 25% para 23%, o Governo propõe agora nova redução no IRC de 23% para 21% em 2015, sem adiamentos nem condições como os que são estabelecidos para a devolução da sobretaxa de IRS, querendo cobrar mais 947 milhões de euros de IRS e IVA – o que significa mais 3,5% do que em 2014 e um montante global de 11 mil milhões de euros a mais arrecadados pelo Governo em três anos com o aumento do IRS.

Diz o Governo que “estabelece-se um princípio de “neutralidade fiscal” com a compensação entre impostos, aumentando uns para compensar a redução de outros”. Poderá haver neutralidade do ponto de vista do Governo, que continuará a arrecadar os mesmos (senão mais) impostos, mas não haverá neutralidade para os portugueses que vão pagar mais impostos. 62% das famílias não liquidam IRS porque não têm sequer rendimentos para isso, pelo que não receberá nenhuma devolução da sobretaxa nem beneficiará da redução da taxa de imposto por via do quociente familiar, mas todos os portugueses – incluindo estes últimos – pagarão o aumento de impostos da chamada fiscalidade verde.

Diz o Governo que “poderá haver uma devolução/alívio de impostos com a devolução da sobretaxa em 2016”: a verdade é que as condições para a sobretaxa ser devolvida são tão difíceis de cumprir que é pouco provável que haja devolução e mesmo que isso acontecesse, para devolver 100 milhões de sobretaxa em 2016 seria necessário cobrar em 2015 cerca de 27.760 milhões de euros de IRS e IVA. Ao sobrestimar as receitas de IRS e IVA o próprio Governo que propõe a devolução da sobretaxa está a criar as condições para que a mesma não ocorra.

Diz o Governo que “a reforma do IRS é amiga das famílias” – poderá vir a confirmar-se que a reforma seja “amiga” eventualmente de uma minoria de famílias mas não o é para a esmagadora maioria das famílias portuguesas, uma vez que não mais do que 8,5% das famílias que portuguesas poderão beneficiar desta dita reforma amiga. A média de elementos por família é de 2,6 pessoas e de acordo com a comissão da reforma do IRS, dos cinco milhões de contribuintes que enviam declaração de IRS, 73% (3,9 milhões) não têm filhos a cargo, 809 mil têm um filho a cargo, 479 mil têm dois filhos dependentes e 69 mil têm três ou mais dependentes. Por outro lado, de acordo com o Inquérito ao Rendimento e Condições de Vida realizado em 2013 junto das famílias portuguesas, 19,8% das famílias com 2 filhos são pobres e 40,4% das famílias com 3 ou mais crianças também são pobres, o que significa que pelo menos 123 mil famílias com 2 ou mais dependentes não beneficiam da devolução de qualquer IRS porque sendo pobres não liquidam IRS. Acresce a isto que o novo regime de deduções à colecta poderá revelar-se prejudicial para a generalidade das famílias, particularmente pelas condições em que são determinadas as deduções das despesas gerais familiares e os limites das mesmas. Sublinha-se ainda que, com as alterações ao regime das deduções, além de podermos estar perante um novo aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, estaremos perante uma nova tentativa de estimular o controlo de cada português sobre cada comerciante.

Diz, por fim, o Governo que “a fiscalidade verde traduz objectivos/preocupações ambientais”. A verdade é que o ambiente é utilizado como desculpa para procurar garantir a aceitação do aumento generalizado de impostos indirectos, além de que com a substituição de impostos directos por impostos indirectos se agravam as injustiças fiscais. Por um lado, aumentando o preço dos transportes públicos através do aumento do imposto desincentiva-se a sua utilização e prejudica-se o ambiente. Por outro lado, ao optar por impostos indirectos em substituição de impostos sobre o rendimento, desconsideram-se as diferenças de rendimentos para definição do imposto a pagar e na compra de um saco plástico tributa-se da mesma forma um desempregado ou um milionário, aumentando as injustiças que resultam do peso dos impostos sobre o consumo ser maior nos rendimentos das famílias mais pobres.

Em suma, o que esta proposta de Orçamento do Estado para 2015 confirma é a impossibilidade de resolver os graves problemas nacionais com que estamos confrontados insistindo na política de direita que nos conduziu à situação que vivemos. O desafio que se coloca a todos os democratas e patriotas é, pois, o de juntar forças e garantir a convergência para a derrota deste Governo, a ruptura com a política de direita e construção de uma política alternativa verdadeiramente ao serviço do povo e do País.

 

PCP