Intervenção de Raimundo Cabral
Sessão Pública do PCP “50 Anos da Reforma Agrária”
Évora, 2 de Fevereiro 2025
Estamos aqui, hoje, a assinalar o 50º aniversário do início da Reforma Agrária, momento marcante da História do nosso País, em que os assalariados agrícolas do Alentejo e Ribatejo avançaram audaciosamente no caminho da construção concreta da Reforma Agrária e substituíram o desemprego e a miséria pela produção, o trabalho e o pão.
Tratou-se de um acontecimento que tinha, a montante, décadas de luta desenvolvida pelo proletariado agrícola contra o latifúndio opressor e explorador e sustentáculo assumido do regime fascista – luta que, por isso mesmo, tinha na consigna «a terra a quem a trabalha» uma referência fundamental. Décadas de uma luta que nunca deixaremos de valorizar devidamente, pelo que ela significou no combate ao fascismo e na construção do 25 de Abril libertador e pelo papel que nela desempenhou o nosso Partido, seu grande organizador e dirigente.
Na nossa memória colectiva, perdurará para sempre o exemplo de coragem e de heroísmo demonstrados por milhares e milhares de proletários agrícolas, as perseguições, as prisões, os espancamentos, as torturas a que foram submetidos pela brutal repressão fascista. E jamais esqueceremos os camaradas que deram as suas vidas nessa luta e que tombaram, vítimas dos assassinos a mando do regime fascista: Alfredo Lima, em Alpiarça, em 1950; Catarina Eufémia, em Baleizão, em 1954; José Adelino dos Santos, em Montemor-o-Novo, em 1958. Deles diremos, como diz a Heróica de Lopes-Graça: «os mortos não os deixamos/para trás/abandonados/ fazemos deles bandeiras/guias e mestres soldados/dos combates que travamos».
Nos meses que se seguiram ao 25 de Abril, os assalariados agrícolas, organizados nos seus sindicatos recém-criados, foram confrontados com uma situação particularmente difícil que os obrigou a desenvolver importantes lutas contra os grandes agrários, que recusavam dar-lhes trabalho e procediam a uma generalizada acção de sabotagem económica que viria a assumir as mais graves expressões: os gados eram abandonados ou eram levadas clandestinamente para Espanha; a azeitona não era apanhada e olivais eram incendiados; as culturas eram abandonadas; as máquinas eram retiradas das explorações; hortas e outras culturas eram destruídas – ao mesmo tempo, muitos desses agrários pediam dinheiro aos bancos para trabalhos agrícolas e gastavam-no em proveito próprio.
Com tudo isto, o desemprego aumentava e, tal como no passado fascista, a fome e a miséria instalavam-se nas casas dos trabalhadores. Assim, «a Reforma Agrária surge natural como a própria vida, aparece como necessidade objectiva de resolver o problema do desemprego e da produção, como solução indispensável e única».
E nasceu no dia em que os trabalhadores, pela primeira vez na História do nosso País, tomaram a decisão histórica de ocupar as terras do latifúndio (de início apenas terras incultas e abandonadas) e de imediato as começaram a cultivar, num processo em que milhares de homens e mulheres, tomando nas próprias mãos os seus destinos, passaram a trabalhar mais de um milhão de hectares de terra, concretizando um inovador programa de transformação económica e de justiça social que iria resolver os problemas da produção e do emprego nos campos do Sul e incorporando na sua actividade uma perspectiva de desenvolvimento – enfim, organizando e dirigindo a produção agrícola; transformando radicalmente as estruturas agrárias; diversificando o processo de produção e, com isso tudo, pondo fim ao desemprego e conquistando melhorias radicais nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações da região.
Sempre atacados violentamente pelas forças reaccionárias, incluindo as que se encontravam no próprio aparelho estatal, que agiam no desprezo e na infracção da legislação que, entretanto, fora promulgada, os trabalhadores da Reforma Agrária deram provas de uma capacidade de luta e de uma criatividade singulares. Por outro lado, contaram sempre com uma imensa vaga de solidariedade nacional – por parte de operários industriais, jovens trabalhadores e estudantes, mulheres, intelectuais – e internacional, em particular dos países socialistas. Este foi um dos raros períodos da história no Alentejo em que a região não conheceu o flagelo do desemprego, não perdeu população e viu muitos dos seus filhos regressar à terra.
Assinalando os 50 anos do início da Reforma Agrária - do seu êxito, das profundas e revolucionárias transformações que operou nos campos do Sul, do contributo que foi para o enriquecimento do conteúdo democrático do regime saído da Revolução de Abril – é necessário assinalar, também, a ofensiva criminosa que levou à sua liquidação.
Foi Iniciada em 1976, pelo Governo do PS/Mário Soares, essa ofensiva foi prosseguida por todos os governos que se seguiram: PS/CDS; PPD/CDS; PS/PPD e PPD sozinho, que desencadearam uma vaga de violência que pôs o Alentejo a ferro e fogo, num cenário repetido do tempo do fascismo; com helicópteros, aviões, jipes, cavalos, cães, metralhadoras; com milhares de elementos da GNR e da Polícia de Choque, invadindo e ocupando dezenas e dezenas de povoações, perseguindo, prendendo, procedendo a interrogatórios pidescos e a julgamentos sumários, espalhando o terror, espancando brutalmente mais de doze mil trabalhadores; abrindo fogo, ferindo, matando – assassinando a tiro, em Montemor-o-Novo, os camaradas José Geraldo (Caravela) e António Maria Casquinha, da UCP «Bento Gonçalves», naquele que foi, porventura, o dia mais negro do Portugal pós 25de Abril.
Foram 14 anos de ofensiva criminosa e destruidora comandada pela contra-revolução – tantos quantos os da resistência heróica dos trabalhadores, que escreveram uma das páginas mais relevantes da história da luta pela democracia, pela liberdade, pela justiça social.
A Reforma Agrária acabou por ser destruída e o latifúndio restaurado, trazendo novamente ao Alentejo as terras abandonadas, a desertificação, o desemprego, a miséria e a fome.
Com a liquidação da Reforma Agrária os grandes agrários passaram a receber milhões de euros sem que lhes fosse exigida a produção de um grama sequer de alimentos, enquanto milhares e milhares de hectares de terra ficaram a monte, ou mal aproveitados.
Nos últimos anos, assistimos ao povoamento de áreas de culturas intensivas. avultando a presença de empresários espanhóis com uma significativa aquisição/arrendamento de terras, inclusive no Perímetro do Regadio de Alqueva.
Hoje estas empresas recorrem ao trabalho assalariado em condições de escravidão. São dezenas de milhares de trabalhadores imigrantes, muitos deles contratados por empresas que usam tácticas de organizações criminosas. É este tipo de trabalhador que se encontra mais propício ao trabalho escravo que vivem em condições deploráveis e sub-humanas.
Camarada tal como ontem, também hoje e no futuro continuaremos a luta pelo o direito ao trabalho com direito, para os operários agrícolas, combateremos com todas as nossas forças todas as formas de exploração, racismo e xenofobia. É o presente e o futuro do País que o exige
Termino saudando, fraternalmente, os milhares e milhares de trabalhadores alentejanos e ribatejanos (incluindo os técnicos das várias áreas que lhe deram suporte) protagonistas daquele acontecimento maior da Revolução de Abril que foi a Reforma Agrária - «a mais bela conquista da Revolução», como muito apropriadamente lhe chamou o camarada Álvaro Cunhal. Teremos porventura o sonho mais avançado que a realidade e a actual relação de forças no país. Mas a necessidade objectiva da Reforma Agrária há-de impôr-se de novo como condição de um país de progresso e desenvolvimento, de mais emprego, mais justiça social e democracia avançada.
E isso só será possível, prosseguindo a luta, reforçando a unidade e a organização dos trabalhadores, dando mais força ao PCP e à luta pela exigência da concretização de uma política patriótica e de esquerda.